Ministério Público recomenda que Prefeitura de João Pessoa assuma regulação dos procedimentos oncológicos do Hospital Laureano

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O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público da Paraíba (MPPB) emitiram recomendação, na última sexta-feira (2), à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa (PB) para que assuma o controle efetivo e integral da regulação de todos os procedimentos relativos à assistência oncológica na rede estadual, abrangendo o Hospital Napoleão Laureano (HNL). Além disso, que atenda imediatamente pacientes em situação de urgência e realize o agendamento de consultas e tratamentos, dentro do prazo legal, para pacientes com câncer que tenham sido identificados sem o devido atendimento.

À SMS, recomendou-se também que se abstenha de destinar emendas parlamentares federais e municipais sem observar a legislação de regência, notadamente quanto à priorização de melhorias efetivas no volume e agilidade de atendimentos/tratamentos para pacientes com câncer, de acordo com o planejamento local do Sistema Único de Saúde (SUS). Foi recomendado, ainda, que reavalie repasses já realizados para compra de medicamentos, visando evitar pagamentos em duplicidade pela mesma finalidade, assim como agilize a análise das pertinentes prestações de contas. E, por fim, que seja ampliada a transparência desses repasses, possibilitando-se maior debate público das prioridades de aplicação eleitas em planos de trabalho.

Também foi recomendado à Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES) que exerça a coordenação e articulação da rede estadual de oncologia e, ao Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus), que monitore a mesma rede, acompanhando medidas de correção de irregularidades apontadas por ele próprio e pela Controladoria-Geral da União (CGU). O objetivo é que as instituições atuem na regularização do atendimento aos pacientes paraibanos que aguardam tratamento de câncer.

Além dos pacientes incluídos na listagem de amostra apurada em inspeção (cerca de 30 pacientes), foi recomendado à SMS que realize a busca ativa e agendamento para outros em situação similar, respeitado o prazo legal de acesso ao tratamento oncológico, sendo que os portadores de Leucemia Mieloide Aguda (10 pacientes) devem obter atendimento em caráter de urgência, no prazo de 48 horas.

A recomendação conjunta do MPF e MPPB, assinada pelo procurador da República José Guilherme Ferraz da Costa e pelo 40º promotor de Justiça da capital, Alexandre Jorge do Amaral Nóbrega, foi expedida no âmbito de procedimento administrativo instaurado pelo MPF com o objetivo de acompanhar o funcionamento da Fundação Napoleão Laureano (FNL), instituição filantrópica mantenedora do HNL, localizado em João Pessoa, único centro de assistência de alta complexidade em oncologia no território paraibano.

Investigações realizadas pelo MPF, MPPB e outros órgãos públicos (Conselhos Regionais de Medicina, Contabilidade e Administração, Denasus, CGU e TCU) revelaram graves irregularidades na gestão da FNL e nos serviços prestados pelo hospital, em meio a uma crise financeira que vem prejudicando seriamente atendimentos em oncologia da população paraibana.

Visando auxiliar a SMS a localizar os pacientes sem o devido atendimento, os autores do documento também divulgaram um formulário para que os pacientes solicitem a inclusão de seus dados em uma lista que será encaminhada àquela Secretaria para o devido agendamento, conforme a recomendação. Acesse aqui o formulário.

Inspeção – No dia primeiro deste mês, o MPF e o MPPB constataram, durante inspeção no HNL, dezenas de pacientes amontoados em frente ao hospital em situação desesperadora, sem acesso à marcação de consulta com oncologista clínico, alguns aguardando há meses. Aos pacientes em urgência hematológica não fora informada sequer data de agendamento de consulta, nem perspectiva de início de tratamento, por alegada limitação de teto financeiro. Além disso, os pacientes que não obtêm ficha de atendimento para marcação de consulta, dentro de certo número de vagas, são simplesmente dispensados sem qualquer registro.

Relatório de auditoria do Denasus já havia apontado diversas irregularidades na fiscalização do contrato com o HNL, recomendando medidas corretivas, entre as quais a realização da devida regulação de acesso pela SMS. No entanto, tal orientação não foi cumprida integralmente e ficou-se sem controle efetivo da real demanda e tempo de espera para início do tratamento dos pacientes oncológicos paraibanos, considerando o prazo legal (máximo de 60 dias).

Em relatório de auditoria mais recente, realizada após alertas do MPF, a CGU relatou que a SMS não forneceu as informações solicitadas sobre a referida regulação, configurando obstrução aos trabalhos do órgão no desempenho regular de suas atribuições de fiscalização. O MPF e o MPPB tiveram então de realizar inspeções in loco para identificar a demanda reprimida, confirmando assim a falta de regular fluxo para agendamento de consultas com oncologistas clínicos.

Problemas financeiros – Os autores da recomendação destacam que, no município de João Pessoa, as autoridades públicas optaram por não prestar diretamente o serviço de saúde oncológico, preferindo “confiar o tratamento de saúde de mais de 70% dos pacientes portadores de neoplasias malignas a uma fundação privada, repassando-lhe, para tanto, vultosos recursos públicos”. No entanto, o repasse das verbas públicas não tem sido fiscalizado corretamente pelas autoridades de saúde locais.

Apesar de a diretoria do hospital alegar problemas relacionados à limitação de teto financeiro para justificar as falhas no atendimento, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que, entre 2018 e 2022, o Município de João Pessoa repassou recursos federais provenientes de emendas parlamentares à Fundação Napoleão Laureano, por meio de treze termos de fomento, no valor total de mais de R$ 17,7 milhões. Entretanto, o TCU apontou que o repasse foi feito com descrição genérica dos gastos e sem a desejada transparência. Além disso, somente nos últimos dois anos, foram destinados mais de R$ 12 milhões em emendas parlamentares de origem federal, conforme se observa da relação apresentada pela Secretaria de Saúde Municipal, além de mais R$ 3,5 milhões em emendas parlamentares municipais.

Mesmo com o recebimento desse notável volume de recursos públicos (em acréscimo aos pagamentos regulares do SUS e de outras fontes, como doações da população), além da omissão e atraso no atendimento de pacientes, auditoria realizada pela CGU identificou que o HNL apresenta o maior percentual de óbitos de pacientes oncológicos em internação hospitalar da Região Nordeste. Detectou também que diversos pacientes, para terem acesso prioritário ao atendimento, realizaram pagamentos diretamente ao HNL, inclusive por meio dos Municípios de origem, dando início ao tratamento sem autorização da SMS e violando assim isonomia que deve existir no SUS. A CGU também constatou outras graves irregularidades no local, como erros de medicação, prontuários incompletos e atrasos e interrupções injustificados nos tratamentos.

Prioridades inadequadas – O MPF e MPPB detectaram que, a maior parte dos recursos decorrentes de emendas parlamentares têm sido repassadas pela SMS à FNL para custear folha de pagamento, encargos sociais e outras despesas de caráter administrativo ou de manutenção física, como serviços de engenharia e implementação de sistema de gestão estratégica; compra de equipamentos ou cursos de capacitação, tudo sem cumprimento, em regra, de metas de ampliação de atendimentos, para redução de filas ou agilização de atendimentos.

Mesmo os recursos dessas emendas destinados à aquisição de medicamentos e insumos não foram atrelados à metas de ampliação de número de atendimentos e sequer à realização efetiva de procedimentos, constituindo, na realidade, reforço a pagamentos normalmente já realizados pelo SUS, isto sem o devido controle e sem justificativa suficiente por parte do ente beneficiário em relação aos seus efetivos custos operacionais e conjunto de receitas. Além de receber tais recursos milionários praticamente sem contrapartida de aumento ou agilização de atendimentos, a FNL ainda vem cobrando do SUS o pagamento de pacientes que teria atendido além do teto financeiro, como se nada houvesse recebido em reforço financeiro.

Ações judiciais – O MPF e o MPPB têm apurado os problemas financeiros da Fundação Napoleão Laureano por meio de inquéritos civis, que resultaram em ação judicial proposta pelo MPF junto à Justiça Federal, ainda em 2019, contra a União, o Estado da Paraíba e o Município de João Pessoa. Esta ação, que tem o objetivo de socorrer os pacientes desassistidos pelo HNL, bem como buscar uma solução para uma melhor estruturação da rede oncológica no estado da Paraíba, aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) quanto ao seu prosseguimento.

Também foi proposta, por ambos os Ministérios Públicos, em outubro de 2020, uma ação civil pública solicitando intervenção judicial com o afastamento imediato de membros da diretoria e do conselho deliberativo da Fundação que mantém o hospital, após as investigações revelarem graves e variadas irregularidades no gerenciamento dos recursos financeiros e na administração do HNL. Esta ação aguarda decisão definitiva quanto a competência para julgamento.

Dentre outras medidas de investigação e orientação, também já foi expedida recomendação conjunta pelo MPF, MPPB e MP junto ao Tribunal de Contas para garantir divulgação no sítio da FNL na internet de dados mais precisos sobre recursos públicos recebidos.

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