“Gostaria muito de acreditar que vivo em uma Nação livre”, afirmou, emocionada, Pureza Lopes Loyola, após assistir ao filme ‘Pureza’, inspirado em sua história de vida, que foi exibido na manhã desta sexta-feira (3), durante a abertura do Projeto Arte e Cultura, do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em João Pessoa. A personagem real que inspirou o filme sobre trabalho escravo contemporâneo participou da exibição do longa metragem e de uma roda de debate, ao lado do diretor do filme, Renato Barbieri e da vice-procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho na Paraíba, Marcela Asfóra.
No Brasil, a cada 30 dias, pelo menos dois paraibanos são resgatados de trabalhos análogos à escravidão. Essa é a média com base nos resgates realizados no ano passado, em vários Estados do país, durante operações de grupos móveis de fiscalização de trabalho escravo, com a participação do MPT e de diversos órgãos. Segundo informou a procuradora Marcela Asfóra durante o evento, pelo menos 26 paraibanos foram resgatados de condições análogas ao de escravo somente em 2022.
“Entre 2003 e 2022, foram 572 paraibanos resgatados no País. A maioria em atividades na zona rural, com idades entre 18 e 29 anos e 29% deles analfabetos”, informou Marcela Asfóra, que também é coordenadora Regional da Conaete, Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
“Falar sobre trabalho escravo é dar visibilidade . A partir do momento que o tema deixa de ser invisível, é possível fazer o combate”, afirmou a procuradora Marcela Asfóra, abrindo o debate após a exibição do filme Pureza. “Sua história é impactante. Se não houvesse menção que o filme foi baseado numa história real, diriam que os fatos não existiram. Participei de uma operação de combate ao trabalho escravo no Pará, com o grupo móvel. Se é impactante no filme, imaginem ao vivo”, discorreu a procuradora, destacando que o filme, protagonizado pela atriz Dira Paes, conseguiu retratar a violência e a violação à dignidade dos trabalhadores vítimas do trabalho escravo contemporâneo.
“Muitas vítimas do trabalho escravo não têm documento. O primeiro documento é a carteira de trabalho, que recebem no momento do resgate. O mais revoltante de tudo é perceber que os empregadores exploram o trabalho escravo em busca de mais lucro”, afirmou Marcela Asfóra. “O MPT também investiga a cadeia produtiva, buscando responsabilizar as empresas que recebem o produto do trabalho escravo. A maioria dos casos de trabalho análogo ao escravo está na zona rural, mas existe na zona urbana também. Nessas facções têxteis, as pessoas trabalham de 14 a 16 horas por dia”, alertou.
Filme emociona plateia
Diante de um auditório lotado, sob olhares atentos, a trabalhadora rural Pureza, natural de Bacabal, no Maranhão, contou detalhes da sua trajetória para encontrar o filho caçula Abel, aliciado para o trabalho escravo em fazendas. Seu corpo franzino carrega a força e a coragem da mulher nordestina, que luta pelo sustento dos filhos. Sua história de vida está ‘escrita’ em cada linha e marca de expressão do seu rosto.
“Eu tinha uma dor no meu coração. Criei os filhos sozinha. Abel era o caçula. Achou que o trabalho era o céu aberto, mas foi cair no inferno e me levou junto. Foram três anos e dois meses de sofrimento procurando meu filho. Fui em carvoarias, roças, fazendas…não comia e não dormia. Nesse tempo, teve dia de ver três carros de trabalhadores chegando da Paraíba. Todos viajam com promessa de riqueza e felicidade. Mas chegando lá, só encontram desgraça. Eu olhava e pensava: esses não voltam mais. (…) Eles matavam e tocavam fogo. Ninguém achava mais. Só ficava a cinza”, relatou para uma plateia perplexa.
Após a exibição do filme, ao acender as luzes, um auditório inteiro emocionado e ainda diante da personagem real, que foi aplaudida de pé pelo público. “Precisamos salvar o Brasil e o mundo de tanto cativeiro. Somos um povo livre”, finalizou Pureza Lopes Loyola.
“Estamos diante de uma heroína nacional”
“Conheci Dona Pureza em 2007. Estamos diante de uma heroína nacional. Suas armas são o amor e a coragem. Todos nós podemos ser ‘Pureza’ e lutar para mudar essa realidade”, afirmou o diretor Renato Barbieri, acrescentando que ele já foi exibido em 19 países e ganhou 29 prêmios.
“O que está acontecendo aqui é a união do Estado com o povo brasileiro. Nós temos que assumir a missão de escrever um novo livro, que é de uma nação livre”, concluiu Barbieri.
TRT 13
O presidente do TRT13, Thiago Andrade, afirmou que ações como a de hoje são importantes, principalmente, para o público externo, composto por representantes de associações comunitárias e movimentos sociais. “Nosso Tribunal estará de portas abertas e agindo ativamente para que, algum dia, sejam vocês, pessoas negras, indígenas, periféricas, que estejam ocupando as cadeiras de desembargadores”, pontuou.